Diante da crise hídrica, o valor cobrado na bandeira vermelha 2, o
patamar mais alto do sistema de tarifa
extra de energia, deve subir mais de 60%, de acordo com fontes a
par do assunto. Com isso, a conta de luz pode ficar pelo menos 15% mais cara a partir de
julho.
A
estimativa é do economista André Braz, coordenador de índices de preços da
Fundação Getulio Vargas (FGV), que avalia ainda que esse custo maior da energia
elétrica pode provocar um aumento de 0,60 ponto percentual na inflação mensal.
A Agência
Nacional de Energia Elétrica (Aneel) vai aumentar os valores das bandeiras
tarifárias, a taxa extra que é acionada quando o custo da geração de energia
sobe, o que está acontecendo neste ano por causa da crise nos reservatórios das
hidrelétricas.
Os custos
estão sendo calculados, e os novos valores devem ser anunciados ainda neste
mês, para serem adotados a partir de julho.
Taxa
extra até novembro
Hoje, são
cobrados R$ 1,34 a cada cem quilowatts-hora (kWh) consumidos na bandeira
amarela; R$ 4,16 na bandeira vermelha 1 e R$ 6,24 na vermelha 2.
Na
bandeira verde não há cobrança adicional. Pelos cálculos conduzidos pela Aneel,
o novo valor da bandeira vermelha 2 deve ser de cerca de R$ 10.
Analistas
do setor estimam, porém, ser necessário algo próximo a R$ 12 na bandeira
vermelha 2 para que ela consiga dar conta de cobrir os custos extras
decorrentes da
geração de energia por termelétricas. Essa bandeira deve vigorar pelo menos até
novembro, quando tem início o período úmido.
— Vai ser
um impacto enorme na conta das pessoas. Talvez valesse mais a pena fazer um
racionamento, ainda que moderado, ou uma política de incentivo, dizendo que, se
a pessoa economizar, por exemplo, 20% da conta, ela ganha desconto de 5%. Isso
seria melhor porque estimularia a economia e daria um pequeno prêmio para quem
fez esse esforço — avalia Braz.
Mesmo
durante o período úmido, o governo deve manter as térmicas ligadas, o que não é
o padrão. Geralmente, recorre-se às térmicas quando chove menos ou no auge do
período seco.
O
objetivo agora é guardar água nos reservatórios das hidrelétricas e, quando
chover, fazer com que as barragens se encham, numa tentativa de evitar um
racionamento em 2022, ano de eleições. O governo rechaça a possibilidade de
racionamento de energia neste ano.
Recorde em junho
O Brasil tem
batido recordes de geração de energia por termelétricas desde maio, com o
agravamento da crise. Os dez dias com maior geração de energia por
termelétricas na História do Brasil foram registrados em junho deste ano, de
acordo com dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS).
O país tem
gerado cerca de 17 mil megawatts médios de energia por termelétricas
diariamente neste mês, o que equivale a cerca de 25% da geração total de
energia elétrica do país. Isso inclui térmicas a óleo e carvão, as mais caras e
poluentes.
A geração por
hidrelétricas está girando em torno de 60% do total. O país ainda gera energia
por meio de usinas eólicas, solares e nucleares.
Aumento
acima da inflação
A conta de luz
tem representado um peso maior no orçamento das famílias brasileiras, sobretudo
nos últimos dez anos. Dados do IBGE revelam que o custo da energia elétrica
residencial subiu 96% entre 2011 e 2020, bem acima da inflação de 74% no mesmo
período.
André Braz
explica que, por trás dessa disparidade, há um “efeito cambial” associado à
estrutura de custos da energia. Enquanto a inflação das famílias registra a
evolução dos preços de produtos e serviços consumidos, como vestuário e
alimentação, o setor elétrico segue a dinâmica das matérias-primas, sendo boa
parte delas dolarizada, cujos aumentos são repassados ao consumidor.
— O setor
elétrico olha o custo de geração da energia, associado à evolução dos
combustíveis fósseis, além do peso de insumos como minério de ferro e cobre —
diz Braz.
E
a tendência é que essa trajetória de energia mais cara, acima da inflação,
continue. Com o agravamento da crise hídrica, analistas estimam que o custo da
energia mantenha o IPCA mais pressionado até o fim do ano.
— Dadas as
previsões de pouca chuva mesmo no período do verão, por causa do La Niña
(fenômeno climático), há chance de a bandeira (vermelha 2) durar o ano inteiro.
Devemos ter impactos mais permanentes dessa bandeira na inflação de 2021 —
sinaliza Braz, que prevê alta de 6,4% para o IPCA no ano, mais de um ponto
percentual acima do teto da meta para o ano, de 5,25%.
Étore Sanchez,
economista-chefe da Ativa Investimentos, lembra que a energia elétrica subiu
nos últimos anos por diversos motivos, entre eles projetos como a medida
provisória (MP) 579, convertida na Lei 12.783, durante o governo Dilma, em
2013.
A lei permitiu
que empresas de energia antecipassem a renovação das concessões e, em troca,
reduzissem a tarifa. A partir de 2014, porém, a seca esvaziou os reservatórios
das hidrelétricas e forçou o acionamento das usinas térmicas.
— Tudo isso
gerou desequilíbrios no setor, fazendo com que o preço da energia subisse —
destaca.
Já este ano,
em meio à seca histórica, Sanchez prevê que dezembro termine com bandeira
vermelha patamar 1 — algo atípico, uma vez que o mês costuma ter bandeira
amarela ou verde.
Ele avalia, contudo,
que a crise hídrica deverá influenciar os aumentos das tarifas de energia
somente no ano que vem, pois grande parte das companhias já fez seus reajustes
em 2021.
— O potencial de dano para este ano é a bandeira tarifária — avalia Sanchez, que prevê que o IPCA de 2021 fique em 5,3%.
